O EMPREGADO PÚBLICO E A NULIDADE DA DEMISSÃO SEM MOTIVAÇÃO.

CARLOS ROBERTO DE OLIVEIRA CAIANA

Desde a Constituição de 1988, a ninguém é dado o direito de ingressar no serviço público ou ser admitido como empregado público na administração direta ou indireta, seja como funcionário público, regido pelo Estatuto dos Funcionários, seja como empregado público regido pela Consolidação das Leis do Trabalho, senão mediante concurso publico de provas e títulos, nos termos do artigo 37 da Carta Maior.


Ao administrador público é vedado decidir como um particular, porque ele está adstrito à lei. O particular pode fazer tudo o que a lei não proíbe, o administrador pode fazer tudo o que a lei permite. Os atos administrativos praticados em desconformidade com a lei são viciados e configuram abuso ou desvio de poder.


O administrador não age porque quer, mas porque deve e assim dispõe o interesse público. É evidente que o administrador público da administração direta, das entidades autárquicas ou empresas públicas, não pode atuar como se fosse um particular conduzindo os negócios de sua empresa e com poderes arbitrários sobre seus empregados.


Se a lei permite, atualmente, que o empregador demita o empregado particular sem justa causa, o mesmo não se pode dizer do administrador público, pois, os princípios de interesse social e restrição ao abuso de poder, contidos na Constituição da República, impedem que haja ele contra o interesse público, no comando da coisa pública.


Como realça Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, em seus “Comentários à Reforma Administrativa Federal”, página 104:


“Surge aqui, nas esferas menores da gestão; a figura do desvio do poder concedido, uma figura nova, é possível, mas de flagrante relevo onde haja delegação de competência...”


“Vale a supervisão porque o poder legal não pode ser ilicitamente usado fora da intenção administrativa.”


O Egrégio Tribunal Regional do Trabalha da 15ª Região, em belíssimo acórdão da lavra da Magistrada Elency Pereira Neves, obtido perante a Egrégia 1ª Turma no processo 022188/1997, determinou a reintegração de todos os empregados demitidos, com os seguintes fundamentos:


“Somente com a promulgação da Carta Magna de 1988 passou a ser obrigatória a aprovação prévia em concurso público tanto para a investidura em cargo público como para emprego público (artigo 37, II).


Conforme documentos juntados aos autos, os reclamante foram admitidos anteriormente à promulgação da referida Carta Magna (05.10.88). Portanto, não há que se cogitar em nulidade de suas contratações por inobservância do disposto no inciso II, do artigo 37, da Constituição Federal, vez que a vigência da Lei Maior não retroage no tempo para alcançar situações já definidas pela anterior, sob pena de afrontar o ato jurídico perfeito e o direito adquirido.


REINTEGRAÇÃO


Data venia do entendimento do Juiz Relator, que entendia possível a rescisão contratual, por tratar-se de empregados sob o regime celetista, temos que irregular referido ato.


Os elementos essenciais do ato jurídico privado são sujeito, objeto e forma. Nele não se inclui o motivo ou motivação, pressuposto do ato jurídico administrativo, ao qual passa o administrador a estar atrelado, face a exigência legal acima.


Esse o magistério dos estudiosos sobre a matéria:


“A motivação dos atos administrativos se vem impondo dia-a-dia, como uma exigência do direito público e da legalidade governamental.” (Antonio Carlos de Araujo Cintra, Motivo e Motivação do Ato Administrativo, SP, 1978).


“No Direito Público, o que há de menos relevante é a vontade do administrador. Seus desejos, suas ambições, seus programas, seus atos não têm eficácia administrativa, nem validade jurídica se não estiverem alicerçados no direito e na lei. Não é a chancela da autoridade, que valida o ato e o torna respeitável e obrigatório. É a legalidade a pedra de toque de todo ato administrativo.” (Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 14ª Edição, atualizada pela Constituição Federal de 1988, fls. 171).


“Tem-se por indispensável, na necessária motivação para que o ato seja perfeito, válido e eficaz. Assim dispensando o obreiro, em decorrência de simples ato potestativo do empregador, sem motivação, torna-se sujeito a anulação. Apesar da contratação estar regida pela CLT, vincula-se às normas disciplinares constitucionais e aquelas que o próprio município adotou.


A motivação dada pelo reclamado para a rescisão contratual dos reclamantes, tal seja o descumprimento da exigência do artigo 37, II, da Constituição Federal, restou desconstituída pela análise do caso acima efetivada. Desta forma, exigível a motivação para a dispensa, sob pena de nulidade. Reforma-se para excluir da condenação os títulos rescisórios, determinando-se a reintegração com o pagamento dos salários, férias, 13ºs, salários e recolhimentos do FGTS (letra a, do item 40, da peça inaugural).” (Certidão anexa).


O Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, em outro acórdão lapidar, obtido por unanimidade de votos, na 7ª Turma, processo 20010280957, movido contra outra empresa pública, o Banco do Brasil S/A, após citar a lição de Celso Antonio Bandeira de Mello e Carlos Mario da Silva Veloso, concluiu:


“As regras pertinentes à admissão dos servidores, sejam celetistas ou estatutários (artigo 37, inciso II, da Constituição da República), bem como as regras de estabilidade e desligamento, matérias de interesse no presente feito são de Direito Administrativo, portanto, de natureza de Direito Público, e estão , por isso sujeitas aos princípios da motivação, legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade. Assim sendo, a regra do artigo 173, § 1º, da mesma Carta, é mitigada pela preponderância dos princípios gerais insertos no caput do artigo 37, da Constituição Federal.


Não sendo reconhecida a estabilidade no emprego de sociedade de economia mista ou de empresa estatal, haja vista que o artigo 41 da Carta é aplicável apenas aos servidores civis da administração pública direta, autárquica e fundacional pública, não resta dúvida que os princípios gerais referidos abrange a administração pública indireta.


Logo, não há como se admitir o simples exercício do chamado direito potestativo do empregador por ocasião do desligamento do empregado, muito embora não estável. Na forma potestativa, unilateral e sem qualquer motivação do ato, não se tem como saber-se da sua legalidade, moralidade e impessoalidade. Inexiste no ato administrativo motivação, que é da essência do ato e não se confunde com justo motivo.


Sobre o assunto ora em comento, com a propriedade que lhe é peculiar, o ilustre Professor Celso Antonio Bandeira de Mello, leciona o seguinte:


“Assim como não é livre a admissão de pessoal, também não se pode admitir que os dirigentes da pessoa tenham o poder de desligar seus empregados com a mesma liberdade que o faria o dirigente de uma empresa particular. É preciso que haja uma razão prestante para fazê-lo, não se admitindo caprichos pessoais, vinganças ou quaisquer decisões motivadas por mero subjetivismo e, muito menos, por sectarismo político ou partidário.” (Certidão anexa).


A jurisprudência tem adotado este entendimento:


Empregado de empresa estatal admitido mediante concurso público. Nulidade da despedida sem a devida motivação. Reintegração. O empregado admitido por empresa estatal mediante a realização de concurso público nos moldes preconizados no artigo 37, II, da Constituição Federal, ainda que a sua condição de celetista não tenha afinidade com a figura da estabilidade assegurada pelo artigo 41 do mesmo Diploma legal, não pode ser dispensado imotivadamente. É que, como não foi livre a sua admissão, já que não precedida de certame, é certo que também não é livre o seu desligamento, visto que o administrador, que gerencia a coisa pública transitoriamente deve demonstrar a motivação de seus atos, haja vista o interesse público decorrente. Se contrata pessoal, é porque foi, em tese, em virtude de interesse público, e se os dispensa, o interesse é o mesmo. Assim, como a reclamada necessitou dos préstimos do empregado, constitui interesse da coletividade que ela demonstre porque não os necessita mais. Entendimento contrário sobrepuja os princípios da impessoalidade, da moralidade e da legalidade, basilares da administração pública em geral, razão pela qual a dispensa daquele, sem justa causa, revela ato arbitrário do administrador, o qual deve ser declarado nulo. E de acordo com o artigo 158 do Código Civil, decretada a nulidade de um ato, restituem-se as partes ao status quo ante. Assim, a reintegração é a conseqüência lógica e natural dessa declaração.” TRT/SC - RO - V - 5354/94, Relatora Juíza Lilia Leonor Abreu, In DJ/SC 10/04/96, p. 106.


“Reintegração. Demissão sem motivo praticada por órgão da administração pública. O mesmo princípio moralizador que impõe a prévia aprovação em concurso público para acessibilidade aos cargos e empregos públicos obsta que os órgãos da administração pública direta ou indireta de todos os entes da Federação pratiquem demissão imotivada. Ainda que a empresa demitente tenha natureza jurídica de direito privado e se sujeite ao regime jurídico das empresas privadas, a ela se aplicam os princípios da administração pública, dentre eles o da moralidade administrativa, da supremacia do interesse público sobre o particular e, especificamente, da motivação. Assim, cabe declarar a nulidade da rescisão e condenar o ente paraestatal a reintegrar o empregado demitido imotivadamente.” (TRT/SC - RO V - 4109/00, Relator Juiz Idemar Antonio Martini, publ. DJ/SC 23/10/00.


Em 03 de julho de 2.006, o Eminente Magistrado Décio Umberto Matoso Rodovalho, da Egrégia 2ª Vara do Trabalho de Campinas, publicou sentença no processo nº 1272/2005, movido por Juracir de Jesus Alves contra Empresa Metropolitana de Transporte Urbano de São Paulo S/A - EMTU, patrocinado por este signatário, reconhecendo a nulidade da dispensa, com os seguintes fundamentos:


“Motivação da dispensa. Guio-me pelo entendimento no sentido de que em se tratando de servidor publico celetista, após a EC 19/88, mesmo nos casos em que não se pode cogitar de estabilidade, a dispensa deve ter alguma motivação.


Nos termos do que descreve o artigo 37, caput, da Constituição Federal, estão as pessoas jurídicas de direito publico (e aquelas que são subsidiadas por dinheiro publico) sujeitas a obedecer aos princípios da legalidade, impessoalidade, publicidade, eficiência e moralidade. Trilhando mais adiante, emerge dos incisos I e II do mesmo dispositivo constitucional que os cargos, empregos e funções publicas da administração direta e indireta, fossem preenchidos após concurso publico. É de rigor observar-se, que, se para ingressar no serviço publico foram criados requisitos moralizadores, resta evidente e lógico que não basta o mero ato discriminatório e potestativo do administrador, como fixado na decisão de origem, para por fim ao contrato. Costuma-se dizer que, ao pensar de modo diverso, seria muito fácil, em um concurso com 10 aprovados e 5 vagas, tendo como apadrinhado do administrador o 10º colocado, o gestor da coisa publica ir contratando e demitindo sem a menor justificativa todos os aprovados, até que o seu “protegido” fosse alcançado e empregado, desmontado, pela astúcia administrativa, toda uma relação de princípios e normas moralizadoras e legalistas. Como não foi livre a sua admissão, já que precedia de certame, é certo que também não é livre o seu desligamento. Na forma potestativa, unilateral e sem qualquer motivação do ato, não se tem como saber-se da sua legalidade, moralidade e impessoalidade. Inexiste no ato administrativo motivação, que é da essência do ato e não se confunde com justo motivo.”


Conclui-se, portanto, que o administrador publico não tem a liberdade que imagina ter para colocar fim ao contrato de trabalho do empregado publico, haja vista a obrigação constitucional de fundamentar e motivar o ato administrativo, diante dos princípios estabelecidos na Carta Magna, que rescindir o pacto laboral do trabalhador celetista de ente publico direto ou indireto.



* CARLOS ROBERTO DE OLIVEIRA CAIANA, é pós graduado em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo e sócio de Advocacia Trabalhista Rio Branco Paranhos, desde 1975.


E-mail: caiana@riobrancoparanhos.adv.br